Jackson do Pandeiro nasceu como José Gomes Filho, em 31 de Agosto de 1919, em um casebre na zona rural no município de Alagoa Grande, na Paraíba. Seu pai era o oleiro José Gomes, e sua mãe, a cantora de côco Flora Maria da Conceição. O menino Zé cresceu solto no mato, nunca freqüentou escola alguma, e até 1930 não se poderia imaginar que seu futuro lhe reservava o título de “rei”. Alagoa Grande tinha a peculiaridade de ter um universo musical bem rico; tinha cantadores de côco, entre os quais a mãe de Jackson, cujo nome artístico era Flora Mourão, figurava entre os melhores; ficava próximo de um remanescente de Quilombo, o Caiana dos Crioulos, que trazia uma preciosa herança musical africana; lá tinha também uma escola de música, em que poucos privilegiados tiveram acesso a algum ensino formal de música. Não foi o caso de Jackson. Sua mestra, e seu ícone, por toda a vida, foi sua mãe, a guerreira do côco Flora Mourão. Ela era, como ele, mulata, magra, pobre; andava com um vestido branco surrado, que Jackson carregou na mala até o último dia de sua vida. Quando José Gomes faleceu, Flora casou-se com outro José, com quem teve mais dois filhos. O segundo José era, porém, valentão e cachaceiro. Uma vez, chegando em casa bêbado, tentou agredir Jackson. Foi a única e derradeira vez, porque Flora botou o cabra para correr. Daí ela ficou só com os filhos, e tinha que dar conta de tudo. O dinheiro ela fazia cantando os cocos em qualquer lugar que fosse chamada. Ela cantava com o tal vestido branco, um único sapato que lhe pertencia e um lenço perfumado, que enrolava no pescoço. Quando a apresentação acabava, o lenço recebia os escambos: leite, pão, moedas, notas. Ela o chamava de lenço da sorte. Mais tarde, Jackson o utilizava quando precisava da força espiritual do lenço e de sua mãe. Flora cuidava dos filhos e da casa também, e conseguia fazer umas rodas de côco domésticas. Nelas, Jackson, que ainda era o pequeno Zé, com apenas 7 ou 8 anos, ficava vendo e ouvindo tudo, e fazendo a marcação do ritmo com o pé. Os instrumentos, a zabumba e o ganzá, ficavam pendurados na parede da sala, e despertavam os sonhos de Jackson, de tocá-los com a intimidade de sua mãe e do zabumbeiro que a acompanhava, chamado João Feitosa. Um dia, ele faltou. O menino José ouvia a lamentação da mãe, e percebeu sua angústia pela falta do homem. José, com sete anos, subiu no tamborete, alcançou a zabumba e gritou: “Mãe, agora não precisa mais de Seu João Feitosa nem de ninguém. Eu já sei tocar o bumbo”. Três anos depois, Jackson já ocupava o lugar do zabumbeiro nas tocatas de sua mãe.
A vida inteira de Jackson foi, do mesmo modo como sua infância e iniciação musical, rica, interessante e repleta de passagens emocionantes. Ele gravou dezenas de discos. O que o Acervo Origens disponibiliza hoje foi o último de sua carreira, lançado em 1981, um ano antes de sua morte. O último disco de nosso rei tem a maturidade dos 29 anos de carreira artística, juntamente com o vigor de alguém que nunca abandonou a juventude. Destaco a faixa 5 do lado B, “Bola de Pé em Pé”, uma homenagem de Jackson ao Flamengo, uma de suas maiores paixões. Muito boa também é “Mundo Cão” (faixa 3 do Lado B).
Lado 1
1- Cabeça feita (Jackson do Pandeiro-Sebastião Batista da Silva)
2- Tem pouca diferença (Durval Vieira)
3- Herança de meu pai (Benício Guimarães)
4- Mãe solteira (Severino Ramos-Antonio Rodrigues)
5- Samambaia trepadeira (Gervásio Horta)
6- Eu vou pra lá (Benício Guimarães)
Lado 2
1- Competente demais (Valdemar Lima-Jackson do Pandeiro)
2- Quem tem um não tem nem um (Durval Vieira-Jorge Paulo)
3- Mundo cão (Jackson do Pandeiro-Rogéria Ribeirão)
4- São Tomé (Assunção Corrêa-Jackson do Pandeiro)
5- Bola de pé em pé (Jackson do Pandeiro-Sebastião Batista da Silva)
Um comentário:
Isso sim que é música!
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