O Movimento Armorial, que abarcou diversas artes, como pintura, teatro e dança, teve na música sua principal expressão. A proposta musical do movimento, criado por Ariano Suassuna e vários outros colaboradores, era trazer a música popular nordestina e brasileira para dentro de parâmetros musicológicos acadêmicos, visando à recriação erudita da música popular nordestina. Junto com isso, o Movimento Armorial pretendia criar uma paisagem musical do nordeste, ou seja, identificar elementos musicais (como modos, timbres e formas), que, ao serem ouvidos, remeteriam imediatamente à imagem do nordeste brasileiro. Então, a pesquisa musical dos armoriais, principalmente Antônio José Madureira, elaborou um sistema de composição baseado nos modos e nas inflexões melódicas daquelas músicas que eles ouviam os artistas populares tocando e cantando. Assim, Madureira queria estabelecer o que ele mesmo chamou de “escala nordestina”. De fato, ele se inspirou nos gregos, que associavam, a cada localidade da Grécia, uma determinada escala de notas musicais. Essas escalas são hoje chamadas de modos, e possuem, cada uma, sua sonoridade própria. Sobre a escala nordestina, Antônio Madureira disse: “Ouvindo as bandas de pífanos, você sabe que está presente lá o que nós chamamos de escala nordestida, que é um modo com a sétima menor que, na tradição do canto gregoriano e da música grega, se chama mixolídio”.
A paisagem sonora nordestina tinha, também, os timbres de instrumentos como rabeca, pífano e viola caipira, cujas sonoridades eram por eles consideradas ásperas, desafinadas e arcaicas. Um instrumento interessante, muito presente nesse disco da postagem de hoje, é o marimbau, que não existia nas tradições populares do nordeste, mas foi criado por Fernando Torres Barbosa e Antúlio Madureira, inspirado no berimbau-de-lata. Ele consiste em um arame pregado a uma tábua e esticado por cima de duas latas que servem, ao mesmo tempo, de cavalete para o arame, e de caixa de ressonância. Além das escalas e timbres, os ritmos também compunham a paisagem nordestina conforme imaginada pelo Movimento Armorial. Eles utilizam maracatu, baião, frevo, xote, caboclinhos e vários outros ritmos típicos das tradições nordestinas.
Nesse disco, lançado em 1978 pela lendária, memorável e inestimável gravadora Marcus Pereira, a primeira faixa do Lado A, Baque de Luanda, já entra com uma batida do maracatu rural, com percussão feita com tambores e chocalhos. Os ouvidos atentos perceberão que o marimbau alterna maracatu com baião. A faixa 3 traz Toques de Caboclinhos, ritmo típico de grupos que saiam no carnaval de cidades nordestinas, fantasiados de indígenas, encenando ataques e defesas, ao som de tambores e pífanos. A faixa 4, Entremeiro para rabeca e percussão, mistura vários ritmos nordestinos. A faixa 2 do Lado B, Toque para Marimbau e Orquestra, mostra que, embora monocórdio, áspero e arcaico, o marimbau tem muitas possibilidades de exploração. Se a paisagem que o Movimento Armorial pintou com sua música reflete fidedignamente a realidade nordestina, não sei dizer, e acho que não importa, pois importante é que ela é bela. Deleitem-se, então, ouvindo essa linda paisagem.
Lado A
01-Baque de Luanda (Antonio José Madureira)
02-Romance da Nau Catarineta (Antonio José Madureira)
03-Toques dos Caboclinhos (Domínio Publico)
04-Entremeio para rabeca e percussão – I-cortejo – II-Baiano – III-Boi (Antonio C. Nóbrega)
Lado B
01-Ária (Cantinela das Bachianas Brasileiras N° 5 – Heitor Villa Lobos – Transcrição - Antonio José Madureira)
02-Toque para marimbau e orquestra - I-Galope à beira mar – II-Bendito deRomeiros – III Marcha Rural - (Antonio José Madureira)
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