O Acervo Origens é uma iniciativa do violeiro, pesquisador e produtor musical Cacai Nunes e visa pesquisar, catalogar, divulgar e compartilhar conteúdos musicais na internet e em atividades culturais das mais diversas como shows, saraus, bailes de forró e programas de rádio. Ao identificar, articular e divulgar a música brasileira, sua história e elementos – entendidos como o conjunto entrelaçado de saberes, experiências e expressões de pessoas, grupos e comunidades, sobre os mais diversos temas – o ACERVO ORIGENS visa contribuir para a geração e distribuição de um valioso conhecimento, muitas vezes ignorado e disperso pelo território nacional.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Abdias e sua sanfona de 8 baixos - Forrófunfá (1976)



Abdias e sua sanfona de 8 baixos - Forrófunfá (1976)

           Nem sempre é fácil encontrar referências sobre os artistas do forró, pois o nordeste ainda hoje padece com a praga do preconceito, que rotula como coisas menores, menos nobres, aquelas que saíram de lá; não mereceriam, portanto, a atenção dos homens sérios que cuidam de registrar e contar a história do mundo. Tolos são esses homens, porque Tom Jobim, o homem reverenciado até na Europa e em locais supostamente superiores do que o Nordeste, e a América Latina,  disse uma vez:  Se eu fosse editor, ia buscar as coisas no Nordeste, porque as coisas mais geniais do mundo estão lá. Essa frase é a epígrafe do genial livro O Fole Roncou: Uma História do Forró, de Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues (Editora Zahar), que em boa hora veio preencher a lacuna de informação que existe em relação à história do nosso tão amado gênero musical, e É LEITURA OBRIGATÓRIA PARA OS APRECIADORES DE FORRÓ.


É justamente desse livro que extraímos o trecho abaixo, que deliciosamente narra o começo da história musical do nosso Abdias, o sanfoneiro de oito baixos que gravou o disco da postagem de hoje.
“Não era só no Rio que estava tudo mudado. Os serviços de alto-falantes e os transmissores potentes das rádios se encarregavam de espalhar a voz de Luiz Gonzaga pelo interior nordestino. Chegou, por  exemplo, a Taperoá, cidade paraibana na região do Cariri. Assinado por Humberto Teixeira, Miguel Lima e Zé Dantas, aquele conjunto de músicas bateu forte nos moradores da região. Caso do menino José Abdias de Farias, que morava em sítio próximo à cidade e, contagiado, começou a se engraçar para o fole de oito baixos do pai. Só que o dono do instrumento, também chamado Abdias, não queria nem saber da possibilidade de ter um filho tocador.
- Se eu te pegar tocando os meus oito baixos, vou te dar uma coça, rapaz.
Mas não tinha jeito: o menino adorava música. Sabia de cor o repertório de Gonzaga e também de Augusto Calheiros. Queria mais. Com a cumplicidade da mãe, arriscava-se a tocar com o instrumento do pai quando este não estava em casa. Até que um dia a combinação não deu certo, e o velho Abdias surpreendeu o filho esmerilhando no fole. Surpresa: surra? Não. Sorriso. Mais que a bênção do pai para continuar tocando, o garoto passou a acompanhá-lo nos forrós pelo sertão paraibano. O menino ‘sambudo, buchudo, cabeça meio chata’, como lembram os amigos, tocava triângulo enquanto o pai debulhava o fole Koch, executando músicas de domínio popular e composições próprias,  como ‘O Forró do Pé Rapado’.
Com a adolescência, chegou o desejo de Abdias de sair de Taperoá. Contou à madrinha, dona Silu:
- Vivo muito triste vendo que minha mãe não tem condição de ter uma toalha boa, uma bacia de rosto. Vou viajar pra ela poder ter dinheiro e comprar tudo que ela precisa.
Não sabia bem para onde ir, mas sabia bem o que não queria: continuar sogrendo com a seca; sua terra não via chuva havia quatro anos. Queria morar em um lugar com muita água, muito verde. Ouviu falar que encontraria tudo isso em Maceió. No caminho, a menos de 150 quilômetros da capital alagoana, parou em Palmeira dos Índios. Participou de audição para sanfoneiros no serviço de alto-falantes da cidade. Tocou e agradeu até o prefeito. Foi ficando. E a sorte o ajudando: um dia, o radialista e compositor Aldemar Paiva, autor de frevos em parceria com Nelson Ferreiro, foi se apresentar em Palmeira dos Índios. Os músicos que o acompanhariam perderam a condução. Aldemar, desesperado atrás de um solista, recebeu a indicação de que tinha um ‘garoto muito bom, um sanfoneiro bom danado: era Abdias. Tocou e agradou. 
A segunda parte da jornada alagoana ocorreu na capital. Chegou a Maceió e, aos doze anos, só conseguiu um lugar para dormir: a soleira da porta de uma feirante. Em troca de ajuda na feira, ela o deixou ficar. Abdias topou e ainda auxiliava a mulher a atrair a clientela, tocando a sanfona em frente à barraca de peixes. Foi contratado para tocar acordeom na regional da Rádio Difusora de Maceió, onde acabara de brilhar Hermeto Paschoal. Tocava cada vez melhor; dava aulas de acordeom para as madames da sociedade, ganhava dinheiro nos cabarés. Um tempo depois, já era chefe do regional, o grupo de músicos responsáveis pelo acompanhamento das atrações principais da emissora. Comprou bicicleta, sanfona. Ganhou concurso interno que tinha como prêmio uma passagem de avião para qualquer lugar do Brasil. Surpreendeu todo mundo ao escolher seu destino: Campina Grande. A volta para o estado natal foi em grande estilo. Apresentou-se na Rádio Borborema, participou dos programas de Gil Gonçalves e Nilton Motta. Acolhida ótima, tão boa que ganhou o apelido de ‘O Mago da Sanfona’. Recebeu convite para ficar em Campina, agora como artista contratado. E, mais importante que a acolhida, teve um encontro que mudaria sua vida. Um encontro não: um esbarrão.
Marinês subia as escadas do primeiro andar do edifício São Luiz, na esquina das ruas Cardoso Vieira com Venâncio Neiva, quando tropeçou em Abdias, que visitava o diretor da emissora. De cara, a moça chamou a atenção do sanfoneiro, que perguntou aos colegas:
- Quem é essa caboclinha tão ajeitadinha?
- É cantora, nova contratada da rádio.
- Eu quero ela.” 
(Marcelo, C, Rodrigues R. O Fole Roncou: Uma História do Forró. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, páginas 47-49).

O resto da história do Abdias está brevemente contada aqui, na postagem de outro disco do sanfoneiro.
Nesse disco Forrofunfá, Abdias, como sempre, mostrou que entende de forró. Ele debulha os oito baixos no disco inteiro, que tem vários temas instrumentais, como Choro Brejeiro, de Dominguinhos e Anastácia, e Estraga Sapato, de Baú dos Oito Baixos. O destaque é Forrofunfá, de Vital Farias e Livardo Alves, música composta em homenagem ao grande Abdias. O restante do álbum, como diz a primeira faixa do Lado B, é tudo forró bom do chinelo avoá.




LADO A
1. Forrofunfá (Vital Farias – Livardo Alves)
2. Balanço Bom (Naldinho)
3. Choro Brejeiro (Dominguinhos - Anastácia)
4. Estraga Sapato (Baú dos Oito Baixos - Zezé Martins)
5. O Lado de Lá (Naldinho – Abdias)
6. Forró do Meu Brasil (Naldinho – Abdias)






LADO B
7. Do Chinelo Avoá (Baú dos 8 Baixos – Lídio Cavalcante)
8. O Reizado (Adapt: Ivan Bulhões)
9. No Tempo de Namoro (Julinho)
10. Forró do Pé de Lã (Assizão – Dorinha)
11. Fole Empoeirado (Luiz Dande Dorinha)
12. Jeito Sem Jeito (Naldo Aguiar – Abdias)




3 comentários:

J Thyme...kind disse...

Thank you.

J Thyme...kind disse...

Thank you.

JANUÁRIO CICERO DA SILVA disse...

MUITO BOM ESSE LP DE ABDIAS