Esse “Instrumentos Populares do Nordeste” é mais um disco pitoresco, resultado dos projetos, da pequena gravadora Marcus Pereira, de registrar as músicas tradicionais brasileiras. Aproveitemos, então, esse disco de hoje para falar um pouco mais de Marcus Pereira e de sua famosa gravadora.
A Marcus Pereira foi criada oficialmente em 1974 (embora seu proprietário tenha feito algumas produções antes, sob o selo “Jogral”, que era o nome de um bar freqüentado por intelectuais em São Paulo), com o objetivo claro de resgatar a verdadeira música brasileira, que estava perdendo espaço para gêneros estrangeiros, principalmente norte-americanos. O projeto começou no tal Bar Jogral, de propriedade do músico Luis Carlos Paraná, e que era freqüentado por um grupo de amigos, entre os quais estavam compositores como Paulo Vanzolini e Chico Buarque, produtores musicais como Aluízio Falcão e o publicitário Marcus Pereira. No final de 1967, Marcus Pereira resolveu, então, gravar um disco para divulgar os valores musicais que o intrépido grupo de amigos acreditava. Ele gravou “Onze Sambas de Uma Capoeira” (que inclusive está disponível em nosso blog, aqui), com doze composições de Paulo Vanzolini, cantados por vozes como Chico e Cristina Buarque. O disco foi produzido pela Marcus Pereira Publicidade, e patrocinado por um de seus clientes, a Independência S.A, para ser distribuído como brinde de final de ano da empresa. No ano seguinte, o brinde da empresa foi o disco “Brasil, Flauta, Cavaquinho e Violão”, contendo 14 chorinhos.
Foi no ano de 1973 que Marcus Pereira, antes de criar oficialmente a gravadora que levaria seu nome, iniciou seu ambicioso projeto de fazer o mapeamento da música popular brasileira. O “Mapa Musical do Brasil” pretendia fazer o registro do cancioneiro e das manifestações culturais das regiões Nordeste, Centro-Oeste/Sudeste, Sul e Norte. Composto de quatro volumes, com quatro discos em cada volume, cada volume voltado para uma região brasileira, o objetivo era captar in loco algumas manifestações culturais locais, tais como cirandas, repentes e barachos no “Música Popular do Nordeste”; procissões como a do Círio de Nazaré em Belém do Pará, músicas indígenas e carimbós no “Música Popular do Norte”; modas de viola, fandangos, festas como a Folia de Reis e Carnaval no “Música Popular do Centro-Oeste/Sudeste”; e ternos, canções de trabalho, festas como Bandeira do Divino, e modas ligadas ao romanceiro do gado no “Música Popular do Sul”. Junto as gravações feitas pelos artistas populares, alguns artistas reconhecidos do público também participaram do projeto, cantando músicas de seu local de origem. Desta forma, a gaúcha Elis Regina participou do “Música Popular do Sul”, e Nara Leão e Clementina de Jesus gravaram para a “Música Popular do Centro-Oeste/Sudeste”.
Esse disco da postagem de hoje, embora não faça parte do Mapa Musical do Brasil, segue o mesmo objetivo, e complementa, de forma espetacular, esse fantástico mapeamento empreendido por Marcus Pereira. Produzido por Antônio Madureira, ele traz artistas que são até hoje grandes expressões de gêneros populares do nordeste. Tem a banda de Pífanos Irmãos Aniceto, maracatu-nação Estrela Brilhante, maracatu-rural Estrela da Tarde, Caboclinhos Cahetês, Reisado do Juazeiro, Orquestra de Mamulengos. Se hoje esses nomes são até relativamente bem conhecidos, e reconhecidos, no início da década de 1970, a maioria das pessoas, assim como o meio musical, considerava esse tipo de música rústica, primitiva, ultrapassada e obsoleta, porque o que valia mesmo era o rock’n’roll. Esse foi outro grande mérito de Marcus Pereira, o de remar contra a maré, tendo absoluta certeza de que estava certo. Apesar de estar certo, as coisas não eram fáceis para ele. Em 1982, depois da recessão de 1979, a gravadora estava atolada em dívidas, e acabou falindo. Marcus Pereira se suicidou. Por sua iniciativa, foram gravados 144 discos, com artistas como Abel Ferreira, Altamiro Carrilho, Arthur Moreira Lima, Banda de Pífanos de Caruaru, Canhoto da Paraíba, Carlos Poyares, Carmem Costa, Cartola, Celso Machado, Chico Buarque, Chico Maranhão, Clementina de Jesus, Dercio Marques, Dona Ivone Lara, Donga, Elba Ramalho, Elis Regina, Elomar, Evandro do Bandolim, Jane Duboc (Jane Vaquer), Lecy Brandão, Monarco, Nara Leão, Papete, Paulo Marquez, Paulo Vanzolini, Quinteto Armorial, Quinteto Villa-Lobos, Raul de Barros, Renato Teixeira e Roberto Silva, entre outros. A maior parte do catálogo da Marcus Pereira nunca foi lançado em CD. O acervo foi absorvido pela Copacabana, que foi incorporada à EMI. Ele encontra-se, hoje, em um contêiner, no bairro de Cordovil, no Rio de Janeiro, e a EMI não tem a menor intenção de relançá-lo. Mas nós, blogueiros, estamos aqui tapando esses buracos, e levando para o público os tesouros que são, acima de tudo, de todos nós. Então, apropriem-se desse patrimônio!
Lado A
01-Terno de Pífanos – Marcha de Campanha (Grupo dos Irmãos Aniceto)
02-Terno de Pífanos – O Cachorro, O caçador e a onça (Grupo dos Irmãos Aniceto)
03-Caboclinhos – Toque de guerra (Caboclinhos de Cahetés)
04-Viola Nordestina – Toadas e Baiões(depoimentos) (Diniz Vitorino)
05-Maracatú Rural – Baque solto (Marcha I “Estrela da tarde”)
06-Reisado – Jornada (Reisado de Juazeiro)
07-Orquestra de cavalo marinho – Chamada (Alvorada)
Lado B
01-Caboclinos – Baiano (Caboclinhos de Cahetés)
02-Berimbau de lata – A ema
03-Berimbau de lata – Bendito
04-Berimbau de lata – Galope (Severino)
05-Maracatú nação – Baque virado (Toada “estrela brilhante”)
06-Reisado – Combate de espadas (Fragmentos) (Reisado do Juazeiro)
07-Rabeca – Jornada de chegança (Sebastião Cândido da Silva)
08-Maracatú rural – Baque solto (MarchaII) (Estrela da tarde)
09-Terno de Pífanos – Baião Trancelim (Grupo dos Irmãos Aniceto)
10-Terno de Pífanos – Marcha Trancelim (Grupo dos Irmão Aniceto)
11-Orquestra de Mamulengo – Baião (Alvorada)
2 comentários:
fantástico!!
Interessante, colocaram tudo menos um dos principais, a Sanfona/Acordeon...
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