Texto: Cacai Nunes
Eis
que vivemos na cidade planejada, Capital da Esperança. Criada a partir dos
traços do arquiteto e do urbanista. Pura arte ! Como já dizia o poeta: “Gosto
tanto dela assim”. Sei não ! De uns tempos pra cá, tenho deixado de gostar
tanto da cidade onde fui criado. Cheguei em 84 aos 5 anos de idade e me sinto
brasiliense de corpo e alma. Só que a cidade tá explodindo. Carros, muitos
carros, falta de educação, expansão desordenada, corrupção descarada (precisava
falar??) e outras mazelas tão comuns em outras grandes cidades que, até então,
a gente achava que Brasília estaria imune, #sqn. Tanto é que me mudei pro
interior de Sobradinho, bem na Casa do Chapéu.
Mas
o fato é que, quando a cidade foi concebida, esqueceram de planejar algo
inevitável na vida das pessoas: diversão. E o que isso inclui ? Um boa música.
Chegamos ao ponto principal deste texto.
Estamos, músicos e profissionais da cultura, sendo
excluídos do nosso fazer cotidiano, por conta de proibições que eu chamaria de
ridículas, já que estamos numa grande cidade e como toda grande cidade, a
música é parte dela. E Brasília é notória por seus artistas que se consagraram
com sua música, criada aqui. E como
estes artistas começaram sua carreira ? Na noite, no fazer diário, em rodas de
amigos, de choro, de forró, jams de rock e tudo que sempre coube por aqui...Afinal,
não somos aquele turbilhão cultural, mistura de todos os Estados e blá blá blá?
Mas e cadê a tolerância nessa mistura? Será que ela se perdeu geneticamente?
Nem estou falando de uma diversão desregrada, porque também tenho minhas
ressalvas (a idade vai chegando, a preguiça aumentando...rs), mas sim de uma
participação de uma classe que mobiliza boa parte da população que consome, que
faz notícia, que forma opinião e assim, multiplica o (restrito) mercado da
capital.
Aí, chego à uma conclusão, já compartilhada com algumas
pessoas mais próximas, que cada vez mais Brasília tem sido a capital da
política. Até pra se fazer cultura e/ou música. Ultimamente, os eventos na
Esplanada têm sido os mais aclamados. Só se faz cultura na Esplanada. Mas
porque só lá ? Certamente pela institucionalização da cultura. A cultura da logomarca. Pra ficar
bonitinho pros 3 Poderes. Mas no entanto, a meu ver, os eventos na Esplanada
são pouco criativos (salvo raras exceções). Tem quase sempre a mesma estrutura
de palco, som (quase sempre alto pra porra), luz, tendas, perfil de público.
Parece até que o evento da semana que vem será uma continuação do evento da
semana retrasada. E ainda tem a “invasão” da
música de fulano do Norte, de beltrano do Nordeste. Tudo isso pode, mas e nós
que aqui estamos, pra onde vamos ? Mofar na cidade-planejada-fiscalizada-vigiada,
das regras rígidas, bem cumpridas, onde reina a paz e o silêncio dos
cemitérios, e nem pássaros, nem cigarras, nem crianças e nem músicos podem
brincar, cantar e tocar?
Pra sair daqui também tá difícil.
Precisamos repensar modos de fazer, ocupar os pequenos
botecos, os parques, a rua, a beira do lago. Mas aí, voltamos à tolerância.
Será que o senhor e a senhora podem dar uma brecha pra quem faz e vive de
música na capital ? Saia de casa e venha ouvir os acordes dos nossos bandolins,
violas, violões, guitarras, os sons dos nossos pandeiros, das baterias e tudo
que soa nesse cerrado do céu de nuvens doidas.
Ou
será que é necessário sair da capital pra termos o devido reconhecimento ? Eu
prefiro acreditar que ainda é possível. Estou exercitando minha tolerância.
Cacai Nunes é violeiro, compositor e
pesquisador.
Apresenta o Programa Acervo Origens todo sábado às 19h na Rádio
Nacional Brasília FM 96,1 e também coordena o Blog Acervo Origens
www.acervoorigens.com
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